Reclamar dos impostos é hábito comum da elite
brasileira. Mas uma comparação internacional mostra que a parcela mais
abastada da população não paga tantos tributos assim. Estudos indicam
que são justamente os mais pobres que mais contribuem para custear os
serviços públicos no país.
Levantamento da PricewaterhouseCoopers (PWC)
feito com exclusividade para a BBC Brasil revela que o imposto de renda
cobrado da classe média alta e dos ricos no Brasil é menor que o
praticado na grande maioria dos países do G20 – grupo que reúne as 19
nações de maior economia do mundo mais a União Europeia.
A consultoria comparou três faixas de renda anual: 70 mil libras, 150
mil libras e 250 mil libras – renda média mensal de cerca de R$ 23 mil,
R$ 50 mil e R$ 83 mil, respectivamente, valores que incorporam
mensalmente o 13º salário, no caso dos que o recebem.
Nas três comparações, os brasileiros pagam menos imposto de renda do que a maioria dos contribuintes dos 19 países do G20.
Nas duas maiores faixas de renda analisadas, o
Brasil é o terceiro país de menor alíquota. O contribuinte brasileiro
que ganha mensalmente, por exemplo, cerca de R$ 50 mil fica com 74%
desse valor após descontar o imposto. Na média dos 19 países, o que
resta após o pagamento do imposto é 67,5%.
Já na menor faixa analisada, o Brasil é o quarto
país que menos taxa a renda, embora nesse caso a distância em relação
aos demais diminua. Quem ganha por ano o equivalente a 75 mil libras
(cerca de R$ 23 mil por mês), tem renda líquida de 75,5% no Brasil e de
72% na média do G20.
As maiores alíquotas são típicas de países
europeus, onde há sistemas de bem estar social consolidados, mas estão
presentes também em alguns países emergentes.
Na Itália, por exemplo, praticamente metade da
renda das pessoas de classe média alta ou ricas vai para os cofres
públicos. Na Índia, cerca de 40% ou mais, assim como no Reino Unido e na
África do Sul, quando consideradas as duas faixas de renda mais altas
em análise.
O quanto sobra após o imposto de renda (em % da renda bruta)
Países/Renda anual | 250.000 libras |
150.000 libras |
70.000 libras |
Arábia Saudita |
96,9 |
94,8 |
91,0 |
Rússia |
87,0 |
87,0 |
87,0 |
Brasil |
73,3 |
73,9 |
75,4 |
México |
70,6 |
71,0 |
72,1 |
Indonésia |
69,8 |
70,7 |
73,2 |
Coréia do Sul |
65,8 |
69,7 |
79,4 |
Argentina |
65,6 |
66,0 |
67,2 |
Turquia |
64,6 |
64,9 |
65,7 |
China |
62,1 |
66,8 |
75,2 |
África do Sul |
61,8 |
63,0 |
65,3 |
Alemanha |
60,6 |
64,2 |
71,1 |
Estados Unidos |
60,5 |
66,2 |
72,5 |
Austrália |
59,3 |
63,2 |
70,9 |
Japão |
58,7 |
65,4 |
75,3 |
Canadá |
58,1 |
61,2 |
69,7 |
França |
58,1 |
64,8 |
72,3 |
Reino Unido |
57,3 |
60,1 |
68,0 |
Índia |
54,9 |
58,5 |
60,0 |
Itália |
50,6 |
51,4 |
54,4 |
Média do G20 |
65,0 |
67,5 |
71,9 |
Carga alta
Apesar de a comparação internacional revelar que
os brasileiros mais abastados pagam menos imposto de renda, a carga
tributária brasileira – ou seja, a relação entre tudo que é arrecadado
em tributos e a renda total do país (o PIB) - é mais alta do que a
média.
Na média do G20, 26% da renda gerada no país vão
para os governos por meio de impostos, enquanto no Brasil o índice é de
35%, mostram dados compilados pela Heritage Foundation. No grupo,
apenas os países da Europa ocidental têm carga tributária maior – França
e Itália são as campeãs, com mais de 40%.
O que está por trás do tamanho da carga
tributária brasileira é o grande volume de impostos indiretos, ou seja,
tributos que incidem sobre produção e comercialização – que no fim das
contas são repassados ao consumidor final.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária
brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são
28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O grande problema é que esses impostos indiretos
são iguais para todos e por isso acabam, proporcionalmente, penalizando
mais os mais pobres. Por exemplo, o tributo pago quando uma pessoa
compra um saco de arroz ou um bilhete de metrô será o mesmo,
independentemente de sua renda. Logo, significa uma proporção maior da
remuneração de quem ganha menos.
O governo taxa mais a produção e o consumo
porque esse tipo de tributo é mais fácil de fiscalizar que o cobrado
sobre a renda, observa o presidente do Instituto Brasileiro de
Planejamento e Tributação, João Eloi Olenike.
"De tanto se preocupar em combater a sonegação, o governo acaba criando injustiças tributárias", afirma.
Concentração de renda
Os governos federal, estaduais e municipais
administram juntos uma fatia muito relevante da renda nacional. Por
isso, a forma como arrecadam e gastam tem impacto direto na distribuição
de renda.
Se por um lado os benefícios sociais e os gastos com saúde e educação
públicas contribuem para a redução da desigualdade, o fato do poder
público taxar proporcionalmente mais os pobres significa que ao
arrecadar os tributos atua no sentido oposto, de concentrar renda.
Um estudo de economistas do Ipea e da Fundação
Getulio Vargas (FGV) mostra que, no Brasil, o Índice de Gini – indicador
que mede a concentração de renda – sobe após a arrecadação de impostos e
recua após os gastos públicos.
Segundo estimativas com dados de 2009, o índice
era de 0,591, ao se considerar a renda original da população (antes do
recebimento de benefícios sociais e tributos). O número recuava para
0,560 após o pagamento de benefícios como aposentadorias, pensões e
Bolsa Família, mas subia novamente para 0,565 após considerar o
pagamento de tributos.
O índice volta a cair após se analisar os
impactos dos gastos públicos que mais reduzem a distribuição de renda,
as despesas com saúde e educação, já que a maioria dos beneficiários
desses serviços são os mais pobres. A partir de dados oficias sobre o
uso desses serviços, os economistas estimaram que esses gastos públicos
reduziam o índice de Gini para 0,479 em 2009.
O saldo geral disso tudo é que, após o governo
arrecadar e gastar, a desigualdade de renda caía 19% naquele ano. Mas
num país tão desigual, a queda precisa ser maior, afirma Fernado Gaiger,
um dos autores da pesquisa: "O tributo tem uma função de coesão
social".
Não há boas comparações internacionais recentes disponíveis para a
questão, mas um estudo de anos atrás do Banco Mundial, indica que, em
países europeus, a queda da desigualdade é de mais de 30% após a
intervenção do Estado, mesmo sem se considerar os gastos em saúde e
educação.
Mudanças nos impostos
Os quatro especialistas ouvidos pela BBC Brasil
defenderam a redução dos impostos indiretos, que penalizam mais os
pobres, e a elevação da taxação sobre renda, propriedade e herança.
"Seria uma questão de justiça tributária", diz o especialista em contas
públicas Mansueto Almeida.
Gaiger, por exemplo, propõe que haja mais duas
alíquotas de Imposto de Renda – uma de 35% para quem ganha por mês entre
R$ 6 mil e R$ 13,7 mil e outra de 45% para quem recebe mais que isso.
Hoje, a taxa máxima é de 27,5%, para todos que
recebem acima de R$ 4.463,81. Muitos não sabem, mas essas alíquotas são
"marginais". Ou seja, apenas a parcela da renda acima desse limite é
tributado pela alíquota máxima, não a renda toda.
No entanto, os especialistas observam que embora seja justo ter mais
alíquotas, isso não tem impacto relevante em termos de arrecadação,
porque uma parcela muito pequena da população tem renda dessa magnitude.
Segundo o IBGE, apenas 111.893 pessoas em todo o país disseram ao Censo
de 2010 receber mais de R$ 20 mil por mês.
O mais importante, defendem, é reduzir as
possibilidades de descontos no Imposto de Renda. Hoje, por exemplo, é
possível abater do imposto devido gastos privados com saúde e educação.
Na prática, isso significa que o Estado está subsidiando serviços
privados justamente para a parcela da população de maior renda, ou seja,
que precisa menos. "É o bolsa rico", diz Gaiger.
Para 2014, a previsão é de que a Receita Federal
deixará de arrecadar R$ 35,2 bilhões por causas de descontos e isenções
desse tipo. Desse total, R$ 10,7 bilhões são deduções de gastos com
saúde e R$ 4,1 bilhão de gastos com educação – somados equivalem a 13%
do total dos gastos federais previstos para as duas áreas neste ano (R$
113,6 bilhões).
Impostos demais?
Apesar de ser lugar comum criticar o tamanho da carga tributária do Brasil, estudiosos do tema dizem que não há um número ideal.
"O tamanho da carga é uma escolha da sociedade. Se as pessoas
quiserem serviços públicos universais e benefícios sociais, o
recolhimento de impostos terá que ser maior. Se quisermos que o educação
e a saúde seja apenas privada, por exemplo, a carga poderá ser menor",
observa Samuel Pessoa, da FGV.
Na sua avaliação, a discussão mais importante
não é a redução da carga tributária, mas mudar sua estrutura e
simplificá-la, para diminuir as desigualdades e reduzir os custos das
empresas com burocracia.
Fonte: BBC Brasil
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