quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

50 ANOS: está na hora de exumar as Reformas de Base de Jango



João Vicente Goulart tinha apenas sete anos quando foi obrigado a trocar a Granja do Torto numa noite, refugiar-se em São Borja e de lá partir para o exílio no Uruguai. Junto da mãe, Maria Thereza, e da irmã, Denise Goulart, apenas um ano mais nova que ele, o plano daquela noite era aguardar a chegada do pai, João Goulart, na estância no interior gaúcho. Jango, no entanto, só pode reencontrar a família quatro dias depois, no Uruguai. Era o início de um exílio sem retorno. Era o começo de 21 anos de ditadura militar no Brasil.
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João Vicente Goulart














Em entrevista exclusiva ao nosso blog, o empresário formado em filosofia, João Vicente, rememora os tempos de exílio e fala sobre o pai, um dos políticos de carreira mais meteórica no país. Próximo do presidente Getúlio Vargas, de quem era vizinho em São Borja e por quem foi lançado na política, Jango foi seu ministro do Trabalho aos 35 anos, duas vezes vice-presidente da República eleito pelo voto direto (de JK e de Jânio Quadros) e aos 42 anos, em 1961, tornava-se presidente da República. Foi deposto três anos depois pelo golpe militar de 1964. A mãe de João Vicente, Maria Tereza Fontella Goulart, foi a mais jovem e é considerada a mais bela primeira-dama do país.
Aqui João Vicente evoca conselhos que recebia do pai. Hoje à frente do Instituto João Goulart, instituição que reúne documentos, programas, fotos e vídeos de Jango, ele conta sobre a luta que trava na reconstrução da memória e, sobretudo, o imenso legado de seu pai para o Brasil.Jango fez história até no momento do seu sepultamento, quando sua filha, Denise, estendeu sobre o caixão uma faixa contendo apenas uma palavra, ANISTIA – a primeira que aparecia publicamente sobre o movimento, ainda em plena ditadura militar.
Um legado detratado pelos golpistas de 1964 que começa a ser reparado, 50 anos depois. Um passo importante neste sentido foi a devolução simbólica do mandato de Jango pelo governo Dilma no ano passado. Na cerimônia, João Vicente mandou sua mensagem ao pai: Jango, a democracia venceu! A história de Jango ainda está para ser escrita e será, certamente, quando a verdade sobre a sua morte aparecer e se souber se ele teve morte natural ou foi assassinado. Após a exumação do corpo do ex-presidente, o país aguarda o resultado final das investigações conduzidas no Brasil e, agora, também na Argentina.
João Vicente, porém, afirma que não apenas o corpo de Jango deve ser exumado, mas também as reformas de base propostas por ele. Reformas que devolveram a esperança para o povo brasileiro e que, segundo João Vicente, precisam ser implementadas para que tenhamos um país que efetivamente atenda as necessidades de seu povo.
Nesta entrevista, João Vicente analisa o julgamento do ex-ministro José Dirceu na AP 470. Ele compara o Supremo Tribunal Federal (STF) à mesma Corte Suprema que deu respaldo ao golpe militar de 64, quando seu então presidente, ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, convidado, acompanhou o grupo de parlamentares golpistas que na madrugada de 2 de abril foi ao Palácio do Planalto respaldar a posse de um presidente interino Ranieri Mazzili. Tudo em completa ilegalidade, depois que o presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, declarara vaga a Presidência da República, com Jango ainda em território nacional.
Acompanhem a entrevista:
Você tinha quantos anos quando foi para o exílio? E a Denise? Lembra alguma coisa?
[ João Vicente Goulart ] Eu tinha sete anos. Denise tinha seis. As lembranças a essa idade são flashes que vão e vem esporadicamente, quando exercemos e forçamos lembrar nosso passado que teima em se esconder.
Que lembranças você tem daquela viagem à noite, da Granja do Torto para a fazenda em São Borja, de onde vocês seguiram para o exílio no Uruguai?
[ João Vicente Goulart ] Em certo ponto, nossa passagem pela fazenda de São Borja foi dramática. Havíamos passado por Porto Alegre e fomos para lá, esperando que o nosso pai chegasse mais tarde. Mas, só fomos vê-lo quatro dias depois, quando já estávamos no Uruguai e a família pode se reencontrar no dia 4 de abril de 1964. Aquela foi uma noite longa no rancho Grande.
A princípio, pensava-se que seria apenas mais uma crise militar, daquelas que já haviam se sucedido no Brasil. Mas, não foi. O tempo de exílio não seria curto. Seria interminável para Jango que nunca mais regressou. Com o tempo, nós tivemos que encarar a realidade. Fazer matrícula para nós na escola, alugar um apartamento, desafiar o tempo e fazer parte daquele novo país para nós, o Uruguai. Era uma nova realidade que, quiséssemos ou não, era o que tínhamos para continuar vivendo.
Como foi ser alfabetizado em castelhano em Montevidéu?
[ João Vicente Goulart ] De todos os desafios, estudar em espanhol era um a mais e dos menores. Crianças aprendem rápido. O difícil mesmo foi compreender, com o passar dos anos, os motivos daquela distância em relação ao nosso país. Por outro lado, foi bom. Essas dificuldades e sofrimentos nos moldam para os desafios da luta justa.
Fomos crescendo, a princípio, num país livre. O Uruguai tinha longa tradição democrática e entendia bem o verdadeiro valor da liberdade. Assim, quando apertou politicamente e as ditaduras foram se instalando na América Latina, nós já estávamos moldados para o entendimento. Sabíamos quanto vale a coragem da resistência.
Daí pra frente, nós nos tornamos peregrinos pela América Latina. Viajando – pulando de galho em galho – por diversos países. Tomando cada vez mais consciência de que os povos falam através de suas vozes e que quando elas são caladas, continuam falando através de sonhos.

Respeito do povo uruguaio por Jango

Quais os anos mais difíceis do exílio? A perseguição te tirava a privacidade, prejudicava nesse aspecto?
[ João Vicente Goulart ] Os anos 70 foram os mais difíceis, porque as democracias latinoamericanas passaram a cair uma a uma, num efeito dominó, por meio da política executada pelo Departamento de Estado norteamericano e de sua ação nos países democráticos, executada pelo Comitê dos 40, capitaneado pelo secretário de Estado Henry Kissinger.
No começo o Uruguai tinha uma tradição democrática em sua história republicana e o seu povo um profundo respeito e reconhecimento pelo Presidente Goulart e sua família. Orgulhavam-se por estarem abrigando um presidente democrático do Brasil. Mas, o Uruguai foi extremamente cooptado pelo III Exército brasileiro no golpe de Estado, que a marionete (presidente Juan Maria) Bordaberry aplicou na democracia daquele país.
Começou ali a nossa peregrinação e nosso calvário de perseguições, controle e monitoramento. Assim foram esses anos, os mais difíceis de um exílio longo e com fim programado para meu pai.
Como vocês acompanhavam do exílio a situação, a vida no Brasil? Podiam e conseguiam receber jornais, revistas daqui?
[ João Vicente Goulart ] No começo, a vida por lá era embalada pela esperança de que seria um curto período. Esperava-se a eleição de 1965, prometida pelo Castelo Branco (marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente da ditadura no Brasil), que seduziu tantos democratas que fizeram olhos cegos e ouvidos surdos aos anseios da população brasileira, quando da quebra da Constituição através do Golpe. Democratas que foram seduzidos pela possibilidade de voltarem sem o Jango, que atrapalhava seus privilégios elitistas. Acreditava-se que o Golpe, a ditadura, fosse ter um curto período, que seria mais uma quartelada que logo passaria. Não foi.
Após esta constatação, meu pai começou a desenvolver suas atividades rurais e se preparou para passar mais tempo no exílio do que o previsto inicialmente. Jango sentiu na pele o tratamento que deram a minha mãe durante a morte de sua sogra. Soube então, pela diminuição dos amigos que por ali (Uruguai) transitavam no começo do exílio, que dali para frente nós estaríamos mais distantes da Pátria.
Apesar de todas as injunções, e de tolherem-no, Jango recebia companheiros exilados e brasileiros que iam visitá-lo. Como ele fazia para fazer política diante de tantas limitações?
[ João Vicente Goulart ] Sim, eram constantes as articulações políticas, inclusive algumas de grande repercussão no seio da ditadura e que vieram a ser muitas vezes incompreendidas por setores de esquerda e de direita, como a criação da Frente Ampla. Havia articulações com políticos da América Latina, como o senador Salvador Allende, que viria a ser o primeiro presidente socialista do Chile; com o ex-presidente Juan Domingo Perón, da Argentina; com o presidente Juan José Torres, do Peru; e posteriormente com vários políticos uruguaios que vieram a compor a oposição aos tradicionais partidos Blanco e Colorado deste país que inicialmente nos oferecia asilo.

“Antes o Brasil, depois resolvemos nossas diferenças”

Ele falava de política com vocês?
Jango e família
Jango e família
[ João Vicente Goulart ] Quando criança, eu era poupado, claro, de muitas explicações políticas que não estavam ao alcance dos meus 7 anos. Mas, posteriormente, fomos crescendo com atividades políticas em um país (Uruguay) em que se discutia política diariamente, nas salas de aula, nos diretórios acadêmicos nos movimentos estudantis etc.
Vocês conversaram quando ele se encontrou com Carlos Lacerda, um arqui-inimigo do passado, e com Juscelino Kubitschek no processo de formação da Frente Ampla? Ele falou algo que você se lembre no dia 13 de dezembro de 1968, o do golpe dentro do golpe, decretação do AI-5?
[ João Vicente Goulart ] Sim, ele sempre dava exemplos de conduta política e citava a construção da Frente Ampla com seu arqui-inimigo político Carlos Lacerda. É mais um dos exemplos de sua grandiosidade e seu desprendimento quando a questão era o Brasil.
Ele dizia sempre que estava no exílio lutando pela restauração da democracia no Brasil, com uma figura de retórica: “estávamos com um 38, lutando contra batalhões de tanques e exércitos e na hora chega alguém com uma metralhadora na trincheira querendo, naquela hora, lutar pela mesma causa. Então, bem vindo à trincheira. Antes o Brasil, depois resolvemos nossas diferenças”. O AI-5 foi uma consequência da luta, como existem na história das lutas emancipatórias inúmeras consequências, como na luta pela redemocratização existem Caparaó, o Congresso da UNE em Ibiúna etc, etc.
Chegava a vocês, digamos meio que em “tempo real”, as informações das torturas, prisões arbitrárias, perseguições, banimentos, exílios, desaparecimentos e assassinatos que a ditadura perpetrava no Brasil? Jango com certeza, mas você também perdeu amigos na tortura, nos assassinatos, nos crimes enfim cometidos pela ditadura?
[ João Vicente Goulart ] Não no Brasil. Mas sim no Uruguai. Era um país pequeno, com pouco território, plano e com apenas três milhões de habitantes, onde se desenvolveu o maior exemplo de guerrilha urbana através do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros (MLN-Tupamaros). É impossível qualquer família uruguaia não haver tido pelo menos um parente, um sobrinho, um filho, um neto que não estivesse envolvido emocionalmente com perdas de familiares, prisões de amigos e conhecidos. Impossível, em um país tão pequeno e sem acidentes geográficos, onde as pessoas que lutavam não tinham como se esconder. Desenvolver guerrilhas na mata ou na montanha? Lá não havia nada disso. A luta se desenvolvia nas “tatuceras”, que eram buracos cavados nas casas das famílias que davam cobertura ao Movimento. É lógico que todos tivemos amigos que se foram e ficaram dentro de nós, na lembrança do exílio, na lembrança de nossa existência.
O que mais angustiava teu pai? Não poder fazer política de que ele tanto gostava? Não poder voltar? A certeza de que não voltaria vivo ao Brasil, já que ele dizia a tua mãe que ela voltaria avó e viúva, sozinha sem ele?
[ João Vicente Goulart ] Era uma premonição essas palavras dele de alerta à minha mãe. Ele sempre quis voltar, nunca perdeu a esperança de voltar para junto de seu povo, pelo qual tanto lutou. Mas todos sabem que a esperança é a fé do coração para nos manter vivos, na luta, na expectativa, eretos. Ela não traduz realidades, traduz sonhos.

Perón: “Argentina será la resistência de América Latina”

Jango tomou a decisão de trocar o exílio no Uruguai pela Argentina depois da escalada de assassinatos de líderes sul-americanos pelas ditaduras do continente, ou antes daquilo começar ele já pensava em mudar o país de exílio?
[ João Vicente Goulart ] Éramos peregrinos do exílio. Quando a situação se tornou insustentável no Uruguai, fomos para a Argentina a convite do General. Perón, com quem meu pai mantinha uma antiga amizade desde o Ministério do Trabalho (quando Jango foi ministro do Trabalho do governo Getúlio Vargas, no início dos anos 50). Havíamos estado em “Puerta de Hierro” (casa de Perón, na Espanha) em 1972 e Perón já sabia de seu retorno à presidência argentina em em 1973. – “seré nuevamente presidente, Janguito, y tu vendrás para Argentina para que no más te molesten em Uruguay”. “Argentina será la resistência de América Latina”.
O sonho argentino durou muito pouco, pois com a morte de Perón em 1974, as coisas se complicaram e pegaram de surpresa muitos líderes de toda a América Latina que ali se encontravam em um último reduto de resistência. A partir daí começou o massacre e o extermínio de muitos líderes – o Pratts, Torres, Michellini, Gutierrez Ruiz – e a partir de 1976, com o Golpe contra a presidente Isabelita Perón, todos nós conhecemos o desfecho: 30.000 mortos e desaparecidos cruelmente naquele genocídio de práticas de “lesa-humanidade” da ultima ditadura militar argentina.
Como Jango conciliava o trabalho de estancieiro no Uruguai e na Argentina, com o de administrador de negócios e ainda fazer política, criar filhos e cuidar da saúde já que era cardíaco?
[ João Vicente Goulart ] Ele era um profundo conhecedor das atividades do setor primário. Desde jovem, muito antes de entrar na política, Jango era um dos grandes invernadores do Rio Grande do Sul. Inclusive no Golpe, quando seus bens foram bloqueados por mais de seis meses antes da liberação total dos mesmos, Jango era um dos credores do fornecimento de carne ao III Exército. Tinha tido um enfarte no Uruguai, sim, mas isto não o impedia de ir e vir para atender suas atividade comerciais.

“Cinquenta anos na vida de homem é muito tempo,
mas não é nada na vida de um país”

Ainda no exílio, você já tinha consciência de que teu pai era o menos estudado de todos os ex-presidentes brasileiros? E o mais injustiçado dentre os ex e o que os militares da ditadura mais estigmatizavam perante a opinião pública brasileira? 
Jango_InstitutoJoaoGoulart
Jango
[ João Vicente Goulart ] Ele sempre dizia a esse respeito: “meu filho, quando cresceres verás que cinquenta anos na vida de homem é muito tempo, mas não é nada na vida de um país”. Sabiamente nos dava o recado das injustiças que contra ele eram praticadas pelos órgãos de comunicação cooptados e dependentes da Ditadura brasileira, de suas traições, de sua necessidade de esconder a realidade do Governo João Goulart, da queda e da restauração democrática por ele representada.
É com este intuito que lutamos hoje pela restauração de sua luta, de sua memória, mas principalmente pela retomada dos debates em torno das reformas estruturais que este país ainda necessita para avançar. Eles (os debates) lá estão, 50 atrás: “As Reformas de Base”, motivo principal pelo qual foi deposto o Governo João Goulart. Suas palavras são música aos nossos ouvidos. 50 anos depois, está na hora de exumar também as “Reformas de Base” e não só a memória de Jango.
Fizemos alguns documentários em respeito a esta memória, tais como “Jango”, de Silvio Tendler; “Jango em três atos”, coprodução do Instituto João Goulart com a TV Senado, de Deraldo Goulart; e ultimamente lançamos “Dossiê Jango”, feito em coprodução com o Canal Brasil, um documentário de Paulo Henrique Fontenelle.
Temos outros projetos para estes 50 anos do Golpe, entre os quais o lançamento da Pedra Fundamental do “Memorial da Liberdade e Democracia Presidente João Goulart”, ultima obra de Oscar Niemeyer. O projeto do Niemeyer destaca a queda da democracia executada pelas elites e com o apoio americano, com uma grande seta vermelha a atingir uma cúpula projetada com os dizeres do ano – ”1964”.
Por que os militares alimentavam tanto ódio contra Jango, uma vez que ainda em 1954, ele já era alvo daquele manifesto dos coronéis que o derrubou do ministério do Trabalho por ele ter dado, de uma só vez um aumento de 100% ao salário mínimo?
[ João Vicente Goulart ] Ora, o Jango representava a volta da democracia. Seu retorno ao Brasil não representaria apenas uma ala da sociedade política, representaria todos os cidadãos que queriam liberdade e democracia. O golpe foi dado contra ele, ele era o Rei caído, ele era a figura que representaria a união dos brasileiros em torno do restabelecimento democrático. Quem melhor que ele teria um argumento pelo restabelecimento democrático para unir as oposições? Esteja certo, não representaria apenas os janguistas, que não eram poucos, representaria a legalidade a liberdade representada por uma Constituição violada. Vejam o IBOPE escondido da divulgação ao publico durante 40 anos – esta pesquisa IBOPE, feita meses antes do golpe militar, indica que o governo Jango tinha apoio da maioria dos brasileiros e que o presidente seria reeleito se houvesse reeleição à época no país (leia mais)

Jango era um legalista

Na tua opinião Jango agiu certo ou errado, ao aceitar assumir a presidência em setembro de 1961, naquele arremedo de parlamentarismo engendrado pela direita e conservadores, que lhe ceifava os poderes? Teu tio (Leonel Brizola) já havia levantado o Sul com a campanha da legalidade. Jango, então, não tinha condições de resistir aquele parlamentarismo? Ou era próprio do espírito dele tentar soluções conciliadoras, negociadas, não era da personalidade dele o radicalismo?
[ João Vicente Goulart ] Jango era um legalista! Respeitava a Constituição e as leis. A emenda adicional Nº 4 que instituiu o parlamentarismo, do parlamentar gaúcho Raúl Pilla (PL-RS) estava dormindo, há anos engavetada no Congresso Nacional e foi votada às pressas pelo Parlamento, legítimo representante do povo brasileiro. Foi legal, oportunista ou não. Foi legal e constitucional como forma de acalmar a crise instalada pelos meios militares que não queriam a posse de Jango, acalmar os ministros da Guerra (Exército), marechal Odílio Denys, da Aeronáutica, brigadeiro Grunn Moss, e da Marinha, almirante Silvio Heck e outros golpistas que não queriam respeitar a Constituição.
Havia risco de guerra civil e Jango, mais uma vez, politicamente aceita o parlamentarismo. Assume a presidência e tempos depois (1963, por um plebiscito) restabelece o presidencialismo. Não aceita uma guerra, não aceita fechar o Congresso na marra. Ele vence politicamente, dentro da lei, dentro dos parâmetros constitucionais.
Darcy Ribeiro, ao definir a derrubada de Jango, dizia que ele caiu pelas suas virtudes e não pelos seus defeitos. Aproveitando a frase do Darcy, na avaliação do filho, quais as principais qualidades do Jango?
[ João Vicente Goulart ] Evidentemente esta inspiração de Darcy define bem o golpe e contra quem foi dado o golpe. Foi dado contra as “Reformas de Base”. Este era o grande acerto, não de Jango, mas acerto antes as necessidades do povo brasileiro. 50 anos se hão passado e temos pela frente o grande desafio de mudar, de que a distribuição de renda atinja não só os privilegiados, mas todos os deserdados de nossa sociedade.
Temos evoluído, mas nem sombra do que seria esta evolução através das “Reformas”. Reformas agrária, educacional, bancária, tributária, política, de remessas de lucros, da encampação das riquezas do nosso subsolo, da Amazônia Azul, da Amazônia legal, de nosso minério, de nossa cultura, de nossa soberania. Tudo isto era pauta, era agenda do Governo João Goulart.
Não adianta tapar o sol com a peneira. Sem mexer com estes privilégios não existe governo dito popular que irá avançar como é necessário para dar ao povo brasileiro a igualdade de oportunidades que ele merece e espera.
Nos 50 anos do golpe, neste 2014, o que vc mais gostaria que os brasileiros reconhecessem naquele processo? Almino Affonso, ministro do teu pai costuma dizer que aquele foi o período mais rico de reformas e de promessas de mudanças vivido pela sociedade brasileira. No entanto, parece que a sociedade brasileira não reconhece isso…
[ João Vicente Goulart ] É verdade, nossa sociedade ainda não reconhece estes feitos. Mas fala neles. Enquanto pregamos a necessidade de uma reforma de nossos meios de comunicação, nosso BNDES continua a ser pai eterno destes meios. Créditos (financiamentos) bilionários não são cobrados destes meios golpistas. Bancos continuam com lucros escorchantes. Nunca, nem na ditadura, eles ganharam tanto dinheiro. Só de 2002 a 2007, os três maiores bancos de nosso país tiveram lucros estimados em R$ 56 bi e isto sem a obrigação de financiar sequer um centavo ao desenvolvimento social, à agricultura familiar, ao projeto de habitação popular, à educação etc, deixando essas obrigações por conta do Tesouro Nacional.
Falamos de Jango, sim, e ele queria exatamente impedir isto. Queria a reforma bancária para controlar o crédito e sua distribuição; encampou refinarias; outorgou o 13º salário (sancionou o projeto de autoria do senador Aarão Steibruch); limitou a remessa de lucros das empresas multinacionais a suas matrizes; não dava subsídios a empresas multinacionais; impediu o “dumping” das empresas farmacêuticas; e desonerou impostos para a produção nacional de fármaco-químicos.
É claro que esses mesmos meios midiáticos que até hoje operam em nosso país, com a complacência de nossos governantes, não falam de Jango.
Mas, a história está aí: 50 anos depois vamos falar de Jango por muito tempo e quem sabe exumar também essas reformas. Não existe uma reforma independente de outra. Todas formam um conjunto necessário à “Reforma do Estado”. Fiz uma palestra em Içara (SC) onde disse aos ouvintes: A história custa a ser escrita quando sufocada pela força, mas ela se impõe, porque ela é mãe da justiça e filha da liberdade.

Aparelhamento universitário pós-golpe
seguiu a cartilha do Banco Mundial

Na tua opinião, qual o pior, o que de mais nefasto deixaram o golpe e a ditadura militar para o Brasil?
[ João Vicente Goulart ] Sem dúvidas foram os resquícios do arbítrio. Quando falamos na falta de informação que perdurou durante 21 anos e o aculturamento de nossa juventude por modismos e costumes importados, incluímos aí também o estilo de vida, os slogans propagados pela ditadura – “Ninguém segura este país”, “Brasil ame-o ou deixe-o” e assim por diante. O aparelhamento universitário pós-golpe seguiu a cartilha do Banco Mundial. A ditadura necessitava de uma formação tecnicista voltada para atender uma mão de obra de mercado dirigido à indústria, inclusive às multinacionais que se expandiram. Desta forma, abre-se mão da formação do indivíduo como um ser político inserido no seu contexto social, como na reforma universitária pretendida por educadores como Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Eles queriam uma universidade independente, para todos, democrática e formando pessoas com espírito crítico, pois só o espírito crítico é capaz de avançar nas áreas de pesquisa que foram praticamente exterminadas dentro dos centros acadêmicos.
Sem contar o aparelhamento no interior dos centros universitários para identificar lideranças – sejam universitários ou docentes – com o intuito de perseguição ideológica, cultural e política que gerou desaparecidos e mortos nos cárceres. Gerou reitores títeres do sistema que não eram escolhidos para formar pessoas e/ou cidadãos, mas sim para servir aos interesses do regime ditatorial. Este, ao meu ver, foi o maior legado satânico, cultural e político que criou um atraso intelectual nas gerações nascidas na ditadura, seres sem conhecimentos da Nação que estava entregue ao arbítrio. Ou seja, quanto menos se pensa em Nação, mais longe, e tranquilamente, se dava a manutenção do militarismo.

Agora já estão se completando 100 dias de prisão do ex-ministro José Dirceu, preso em regime fechado, quando ele tem direito, legalmente a regime semiaberto. E esta é apenas uma das inúmeras ilegalidades que marcam o processo a que ele respondeu (AP 470) e o seu julgamento. Qual a tua tua opinião sobre o julgamento da AP 470?

[ João Vicente Goulart ] Este sistema jurídico, como o político, é uma reminiscência do arbítrio. Quando o Senador Auro de Moura Andrade, de forma ilegal, convoca o Congresso Nacional para deliberar e declarar vaga a presidência da República (só declarou, não submeteu a deliberação dos senadores), na madrugada do dia 2 de abril, com o Presidente constitucional, João Goulart dentro do território nacional, o então presidente do STF, Ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, foi chamado para acompanhar o deputado Mazzilli a tomar posse de madrugada, ilegalmente no Palácio do Planalto. E o presidente do STF foi, junto com aqueles parlamentares golpistas – golpistas, sim, pois acabavam de legalizar o golpe militar e passavam a ser serviçais da prepotência, do autoritarismo e da ilegalidade.
Onde estavam estes ministros do STF com a decretação do Atos Institucionais Nºs 1, 2, 3, 4, 5, etc? E na cassação, pela ditadura, dos ministros da própria Corte Suprema, Evandro Lins e Silva? E na do Ministro Hermes Lima? E no fechamento do Congresso Nacional? Onde estavam?
A do judiciário é outra reforma que a sociedade brasileira terá que debater profundamente. Não tem cabimento este poder monárquico do STF que submete a vida de cidadãos brasileiros a decisões monocráticas a seu bel prazer. Por um lado, soltam delinquentes econômicos; por outro, aprofundam decisões políticas como a AP 470 e pendem a balança da justiça para interesses subalternos e desconhecidos do nosso código penal.

O que realmente é “a teoria do domínio do fato”?

O que realmente é “a teoria do domínio do fato”? Aplicabilidade da lei, de penas, sentenças, sem a fundamentação de provas? Ou se explica definitivamente o “fazer justiça” ou “aplicar a justiça”? Não sou advogado, cursei filosofia, pelo que então posso filosofar platonicamente: “Queremos homens governando leis ou leis governando homens”?
Nada melhor que um dia após o outro, existe o tempo de semear e o tempo de colher.
O Congresso Nacional 50 anos depois reconheceu a triste passagem daquele dia 2 de abril de 1964, anulando aquela sessão que manchava a estatura do nosso Parlamento. Vamos reformar e colocar na pauta da discussão nacional a reforma de judiciário. Ela urge, tem de ser democratizada, tem de ser discutida. (Ministro do Supremo) tem que ter prazo de mandato para não eternizar os reinados. Tem de ter tempo para dar chance aos súditos.
Você que herdou de seu pai este lado político, a sensibilidade de engajar-se na luta por por reformas, por um país mais justo, está otimista com o Brasil, com o futuro? Por que você cumpriu apenas um mandato de deputado e não concorreu mais? Passou o bastão para o neto, Christian, vereador em Porto Alegre?
Jango2_InstitutoJoaoGoulart[ João Vicente Goulart ] Eu digo sempre que nossa obrigação como seres humanos é constantemente nos mantermos como seres políticos, mas não necessariamente seres eleitorais em um país onde nossos congressistas são vistos como escórias diante da opinião pública. E por quê? Assim será, enquanto não fizermos uma profunda reforma política, onde possamos eleger verdadeiros representantes de nosso povo para que nos representem, para que nos dirijam, para que conosco construam uma alternativa clara às necessidades sociais e não pessoais. Até lá, não teremos dignidade e nossos representante serão meros bonecos a serviço de seus financiadores.
Não é possível que para se eleger um deputado em São Paulo se necessite de R$ 5 milhões, ou R$ 6 milhões. Eu não tenho esse dinheiro e para obtê-lo teria que vender minha atuação parlamentar para aqueles que me financiarem. Votar contra os interesses do povo caso estes atinjam, contrariem os interesses dos financiadores. Por isso temos aí as bancadas da bala, bancada ruralista, bancada da medicina, bancada dos evangélicos, bancada disto e daquilo. Este não é o parlamento que sonho.
Lamentavelmente, os partidos políticos querem manter seus privilégios e aqui no Brasil ainda são classificados como de direito privado, o que é um absurdo quando um cidadão filiado quer questionar o comportamento de seu dirigente.
O debate político se transformou em debate eleitoral; o de questionamento ideológico em balcão de negócios de espaços televisivos à venda; o doutrinário em aprendizado de coligações espúrias para fazer o número suficiente de deputados federais que dê aos dirigentes partidários o acesso ao Fundo Partidario; os sonhos de ideologização democrática, em traições e armadilhas de conchavos pela manutenção do poder pelo poder.
Algo tem de ser mudado. Quem sabe rever dentro das reformas de base, e também fazer uma reforma eleitoral ampla para dignificar os mandatos e para que nossos parlamentares sejam orgulho de nossa população.
Quais os teus projetos mais imediatos? Dedicar-se à direção e as atividades da Fundação Instituto João Goulart e as atividades particulares?
A luta revigora ! Lutar, lutar e lutar…


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