"Estamos sujeitos ao governo do nascimento à morte. Política não é como jiló ou ópera.
Ficar indiferente a ela tem um preço: ser refém do governante da vez"
Época de eleição é época de emoção. A razão entra em férias,
a sensibilidade fica à flor da
pele. Em família e no trabalho, todos manifestam as suas opiniões.
O tom varia do palavrão a
desqualificar toda a árvore genealógica do candidato à veneração
acrítica de quem o julga
perfeito. Marido briga com a mulher, pai com o filho, amigo com amigo,
cada um convencido
de que possui a melhor análise
sobre os candidatos...
Um terceiro grupo insiste em se manter indiferente ao período eleitoral. Todos os candidatos são considerados
corruptos, mentirosos, aproveitadores ou demagogos (ou tudo ao mesmo tempo).
Mas não há saída: estamos
todos sujeitos ao Estado. Ficar indiferente é passar cheque em branco,
assinado e de valor ilimitado,
ao candidato vitorioso. Governo e Estado são indiferentes à nossa
indiferença,
aos nossos protestos
individuais.
É compreensível uma pessoa
não gostar de ópera, de jiló ou da cor marrom. E mesmo de
política. Impossível é ignorar
que todos os aspectos de nossa existência, do primeiro respiro ao
último suspiro, têm a ver com
política.
A classe social em que cada
um de nós nasceu decorre da política vigente no país. Houvesse menos
injustiça
e mais distribuição da
riqueza, ninguém nasceria entre a miséria e a pobreza. Como nenhum de
nós
escolheu a família e a classe
social em que veio a este mundo, somos todos filhos da loteria
biológica. O que
não deveria ser considerado
privilégio por quem nasceu nas classes média e rica, e sim dívida
social para com aqueles que
não tiveram a mesma sorte.
Somos ministeriados do
nascimento à morte. Ao nascer, o registro segue para o Ministério da
Justiça.
Vacinados, ao da Saúde; ao
ingressar na escola, ao da Educação; ao arranjar emprego, ao do
Trabalho;
ao tirar habilitação, ao das
Cidades; ao aposentar-se, ao da Previdência Social; ao morrer,
retorna-se
ao Ministério da Justiça. E
nossas condições de vida, como renda e alimentação,
dependem dos ministérios da
Fazenda e do Planejamento.
Em tudo há política. Para o bem ou para o mal.
O Brasil é o resultado das eleições de outubro. Para melhor ou para pior. E os que o governam são
escolhidos pelo voto de cada eleitor.
Faça como o Estado: deixe
de lado a emoção e pense com a razão. As instituições
públicas são movidas por
políticos e pessoas indicadas por eles. Todos os funcionários são
nossos empregados. A nós devem
prestar contas. Temos o direito de cobrar, exigir, reivindicar, e eles o
dever de responder
às nossas expectativas.
A autoridade é a sociedade
civil. Exerça-a. Não dê seu voto a corruptos nem se deixe enganar
pela propaganda eleitoral.
Vote no futuro melhor de seu município. Vote na justiça social, na
qualidade de vida
da população, na cidadania
plena.
Frei Betto* para a Folha de S.Paulo - 14/09/2012.
*CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO, 67, o Frei Betto, frade dominicano, é escritor, assessor de movimentos sociais
e autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros
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