No princípio era e é a mídia. A
primazia vem de longe, mas se acentua com o efeito combinado de
avanço tecnológico e furor reacionário. De início a serviço do
poder até confundir-se com o próprio, um poder ainda medieval de
muitos pontos de vista, na concepção e nos objetivos.
Ao invocar o golpe de Estado de
1964, os editorialões receitavam o antídoto contra a marcha da
subversão, obra de pura fantasia, embora os capitães do mato,
perdão, o Exército de ocupação estivesse armado até os dentes.
Marcha da subversão nunca houve, sequer chegou a Revolução
Francesa. Em compensação tivemos a Marcha da Família, com
Deus, pela Liberdade.
Há tempo largo a mídia cuida de
excitar os herdeiros da Casa-Grande ao sabor de pavores arcaicos
agitados por instrumentos cada vez mais sofisticados, enquanto serve
à plateia, senzala inclusive instalada no balcão, a péssima
educação do Big Brother e Companhia. Nem todos os herdeiros se
reconhecem como tais, amiúde por simples ignorância, todos porém,
conscientes e nem tanto, mostram se afoitos, sem a percepção do seu
papel, em ocasiões como esta vivida pelo presidente mais popular do
Brasil, o ex-metalúrgico Lula doente. E o estímulo parte,
transparentemente, das senhas, consignas, clichês veiculados por
editorialões, colunonas, artigões, comentariões.
Celebrada colunista da Folha de
S.Paulo escreve que Lula agora parece “pinto no lixo”, cuida de
sublinhar que “quimioterapia é dureza” e que vantagens para o
enfermo existem, por exemplo, “parar de tomar os seus goles”.
Outra colunista do mesmo jornal, dada a cobrir tertúlias variadas
dos herdeiros da Casa-Grande, pergunta de sobrolho erguido quem paga
o tratamento de Lula. Em conversa na Rádio CBN, mais uma colunista
afirma a culpa de Lula, “abuso da fala, tabagismo, alcoolismo”. A
cobra do Paraíso Terrestre desceu da árvore do Bem e do Mal e
espalhou seu veneno pelos séculos dos séculos.
Às costas destas miúdas
aleivosias, todas as tentativas pregressas de denegrir um presidente
que se elegeu e reelegeu nos braços do povo identificado como o
igual capaz de empenhar-se pela inclusão de camadas crescentes da
população na área do consumo e de praticar pela primeira vez na
história do País uma política externa independente. Trata-se de
fatos conhecidos até pelo mundo mineral e no entanto contestados
oito anos a fio pela mídia nativa. E agora assistimos ao
destampatório da velhacaria proporcionado pelo anonimato dos
navegantes da internet, a repetirem, já no auge do ódio de classe,
as tradicionais acusações e insinuações midiáticas.
Há uma conexão evidente entre as
malignidades extraordinárias assacadas das moitas da internet e os
comportamentos useiros do jornalismo do Brasil, único país
apresentado como democrático e civilizado onde, não me canso de
repetir, os profissionais chamam o patrão de colega.
Por direito divino, está claro. E
neste domínio da covardia e da raiva burguesotas a saraivada de
insultos no calão dos botecos do arrabalde mistura-se ao desfraldado
regozijo pela doença do grande desafeto. Há mesmo quem candidate
Lula às chamas do inferno, em companhia dos inevitáveis Fidel e
Chávez, como se estes fossem os amigões que Lula convidaria para
uma derradeira aventura.
Os herdeiros da Casa-Grande até
mesmo agora se negam a enxergar o ex-presidente como o cidadão e o
indivíduo que sempre foi, ou são incapazes de uma análise isenta,
sobra, de todo modo, uma personagem inventada, figura talhada para a
ficção do absurdo. De certa maneira, a escolha da versão chega a
ser mais grave do que a própria, sistemática falta de
reconhecimento dos méritos de um presidente da República decisivo
como Lula foi. Um divisor de águas, acima até das intenções e dos
feitos, pela simples presença, com sua imagem, em toda a
complexidade, a representar o Brasil em tão perfeita coincidência.
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