Para o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o governo de Dilma Rousseff tem obrigação de tentar aprovar uma reforma tributária. O fato de o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ter conseguido apoio no Congresso Nacional para isso indica, segundo Bernardo, a dificuldade trazida pela questão.Na primeira parte da entrevista exclusiva à Rede Brasil Atual, o ministro fala sobre desafios colocados em relação ao sistema de impostos no país e sobre a Previdência Social.
“Todas as tentativas de reforma tributária falharam por conta de os estados quererem fazer regra fiscal – então não querem regra única no país – e também o fato de que, na hora de votar, querem ganhar alguma coisa, alguma compensação do governo federal”, analisa. O ministro do Planejamento avalia que os interesses envolvidos em uma reforma tributária são difíceis de conciliar, porque o contribuinte espera menos impostos e os secretários de fazenda acreditam em maiores receitas. “Temos obrigação de tentar de novo, tentar superar isso”, insiste Paulo Bernardo.
Ele esclarece que não há sinalização, por parte da presidente eleita, a respeito de implementação de medidas de desoneração da folha de pagamento. Em entrevista à imprensa na semana passada, Paulo Bernardo apresentou a proposta de redução de seis pontos percentuais da contribuição patronal à Previdência e de extinção do salário-educação (2,5% sobre a folha) pagos pelas empresas. A medida previa compensações dentro da reforma da tributária, mas caso ocorra isoladamente precisaria apontar formas de recompor perdas.
Bernardo sustenta que há poucas possibilidades de se buscar uma reforma da Previdência Social, embora o sistema de seguridade para o setor público ainda precise ser regulamentado. Em 2003, no primeiro ano do governo Lula, uma reforma foi aprovada, mas outras normas previstas na discussão não foram apreciadas até hoje pelo Legislativo.
A entrevista foi concedida na quinta-feira (18), logo depois de uma rodada de negociações entre o ministro e as centrais sindicais para discutir o reajuste de 2011 do salário mínimo, além de apresentar uma pauta com dois outros itens: a correção do benefício de aposentados e da tabela de Imposto de Renda.
Confira a primeira parte:
Rede Brasil Atual – O sr. concedeu entrevista recente admitindo a possibilidade de que se promovesse desoneração da folha de pagamento. O sr. defende que a medida seja tomada? De onde sairiam recursos para compensar as perdas de arrecadação com a Previdência Social e o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação?
Paulo Bernardo – Só falei neste assunto porque a Dilma, candidata, falou que gostaria de desonerar a folha de salário. No governo Lula, estudamos essa medida como parte da reforma tributária. Basicamente, seria dentro do contexto da reforma tributária, diminuiríamos a contribuição patronal da Previdência de 20% para 14% e também extinguiríamos o salário-educação de 2,5%. Seria uma redução de impostos sobre a folha de salário em 8,5 pontos percentuais. Não foi aprovado, continuamos fazendo o que tem de ser feito, com simulações. Se você me perguntar se isso vai ser proposto imediatamente, não tenho condição de saber.
Nos estudos realizados, qual era a compensação prevista?
Na reforma tributária, estávamos implantando o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), uma unificação de vários impostos e contribuições federais, com uma força simplificadora grande. Seria uma vantagem para as empresas e com certeza diminuiria o custo de apuração e cálculo de impostos. E também (implantávamos) o IVA estadual, com a unificação do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) em todos os estados. Dentro desse arcabouço, achávamos que iríamos ficar compensados. Agora, para falar na medida isoladamente, claro, o governo precisaria fazer o debate sobre a compensação. Mas não há definição.
O sr. menciona a reforma tributária. O sr. é favorável à criação de uma nova versão da CPMF, cuja receita fosse voltada à Saúde?
Sou a favor da CPMF. Defendi, quando foi votada no Congresso (em 2007), a prorrogação. Foi uma disputa política e o governo perdeu. A orientação do presidente Lula foi: "Não se fala mais nisso". Não retomamos a discussão. Por outro lado, a possível injeção de recursos adicionais na área de Saúde também ficou congelada. Quando foi votada (a CPMF) em 2007, tínhamos resolvido colocar R$ 24 bilhões por ano na área. Foi invalidado a partir do momento da derrubada da CPMF. Hoje, discute-se no Congresso a regulamentação da Emenda 29 (aprovada em 2000 que prevê investimento de 10% da arrecadação de impostos na área), o que é necessário, porque uma boa parte dos estados não cumpre a lei que existe hoje. Como contrapartida, os municípios têm de colocar mais recursos do que a obrigação deles, porque é no município onde estoura o problema. Se alguém falar que tem de pôr mais dinheiro, vai ter que dizer de onde vai sair. Acho que vai ficar para a discussão da reforma tributária, quando vamos debater se voltamos ao tema.
Como livrar a reforma tributária dos “pequenos interesses” que sequestram a discussão?
Este tem sido um dos problemas. Ao discutir reforma, o contribuinte ouve: "Vão diminuir minha carga de impostos". O secretário de Fazenda acha: "Vai aumentar minha arrecadação". Não é fácil conciliar as coisas. É até possível simplificar e diminuir alíquotas tributárias e isso ser acompanhado de uma subsequente melhora na arrecadação, porque é mais difícil de sonegar, estimula a formalização e (o crescimento da) economia. De fato, todas as tentativas de reforma tributária falharam por conta de os estados quererem fazer regra fiscal – então não querem regra única no país – e também o fato de que, na hora de votar, querem ganhar alguma coisa, alguma compensação do governo federal. Temos obrigação de tentar de novo, tentar superar isso.
No início do governo Lula, além dos impostos, havia a discussão colocada sobre a necessidade de reforma da Previdência do setor público. Essa questão está equacionada ou o sr. vê necessidade de novas mudanças?
A reforma (da Previdência) de 2003 não resolve tudo, até porque não conseguimos terminar, nem (a) regulamentamos – os projetos estão no Congresso mas ainda não foram votados. De maneira mais geral, o governo optou por não mandar proposta de reforma previdenciária que significasse tirar ou interromper direitos dos trabalhadores. Mas temos uma série de reformas menores que melhoraram muito o desempenho da Previdência. Melhorou atendimento, a receita.
Agora, se você olhar a situação demográfica, da população, no Brasil, fatalmente vamos ter de discutir regras novas. A questão é quando fazer isso. De preferência, não podemos deixar acontecer o que ocorreu na França, porque passou muito tempo. Depois de cristalizada (a situação) e não se consegue mudar. Um bom ponto de partida seria tentar fazer uma reforma que signifique uma mudança importante para quem vai entrar no mercado de trabalho e não bater de frente com direitos que o trabalhador tem hoje, porque é evidente que teria uma reação forte. Dificulta e sairia uma coisa meio remendada, improvisada. Mas não sei quando a discussão poderia ocorrer, porque a Dilma não falou nada sobre isso, não sei como vai ser.
Confira a segunda parte da entrevista com Paulo Bernardo:
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