Revista Fórum - É fato que a despolitização e a midiatização da esfera política favorecem o peso eleitoral de "celebridades", reduzindo o peso do voto mais ideológico. Porém, isto não significa que o eleitorado é "burro" ou vota de acordo com a visibilidade midiática tão somente. É preciso avaliar o cenário com mais cuidado.
Uma das maiores surpresas no resultado das eleições foi a não eleição para o Senado do sambista Netinho de Paula pelo PC do B. Em sua análise, o presidente do partido Renato Rabelo afirma que a candidatura comunista sofreu uma onda de ataques da direita tucana, bem como foi prejudicada por uma queda na campanha da candidatura de Dilma na reta final.
Conversando com pessoas conhecidas minhas, afrodescendentes, da periferia e que não votaram em Netinho, o argumento mais forte, principalmente entre as mulheres, foi o episódio da agressão dele a sua companheira. "Não voto em cara que bate em mulher", foi o que mais ouvi.
Minha filha hoje fez um comentário interessante. Disse ela que este tipo de postura não deixa de ter um tom racista. O raciocínio é o seguinte: por ser negro, do povo, de fora do establishment e ousar ser senador, há uma cobrança maior de comportamento. Muitos dos que acusaram Netinho não tem qualquer compromisso com a luta feminista. Isto é um fato quando se percebe o oportunismo de certos "feministas" de última hora.
Mas quero analisar o porquê deste discurso encontrar eco nas classes subalternizadas. É evidente que o machismo ainda impera firme e forte nas relações pessoais, inclusive nestes segmentos sociais. Permanece ainda a ideia de uma mulher submissa, que limita a sua ousadia. Isto, inclusive, é um fator que prejudicou em parte a candidatura de Dilma como também já atingiu os pleitos de Marta Suplicy e Luiza Erundina. Não atingiu totalmente a candidata Marina porque ela faz o tipo da "mulher boazinha", evangélica, conservadora.
Porém, existe um sentimento forte de rejeição à violência contra a mulher como produto da ação do movimento feminista. Isto ganhou visibilidade na mídia com a divulgação de vários casos em que mulheres foram agredidas e até mortas por seus companheiros. Há o recente caso do ex-goleiro do Flamengo, o Bruno, de grande visibilidade midiática, que ainda está fresco na memória da maioria das pessoas. Assim, o machismo que ainda impera na sociedade tem uma ressignificação – a de um machismo que coloca o homem como hegemônico sustentado ideologicamente por uma visão de mulher frágil. Por isto, mesmo alguns homens machistas são contra bater em mulher pois isto significaria uma "covardia" que reduziria o índice de "macheza".
A não eleição de Netinho traz também importantes lições para a esquerda. É fato que a despolitização e a midiatização da esfera política favorecem o peso eleitoral de "celebridades", reduzindo o peso do voto mais ideológico. Porém, isto não significa que o eleitorado é "burro" ou vota de acordo com a visibilidade midiática tão somente. É preciso avaliar o cenário com mais cuidado.
Embora não tenha dados empíricos mais concretos para chegar a uma conclusão, levanto algumas hipóteses:
1º.) O eleitorado tende a cobrar de candidaturas colocadas num campo progressista uma visão mais coerente com o campo que dizem representar. Se Netinho fosse um candidato de um partido conservador ou mesmo um outsider como o caso do Tiririca, este debate não pegaria. O que levou a esta discussão é o fato dele ser candidato por uma frente progressista que, inevitavelmente, coloca os seus militantes na defensiva ao responder um episódio como este que contraria todo o princípio ético-político dos seus partidos; e também uma cobrança de parte do eleitorado mais afinado ideologicamente. Muitos eleitores da coligação não votaram em Netinho e isto é significativo.
2º.) O eleitorado com perfil menos ideológico é extremamente difuso e neste campo a concorrência é grande e a sustentação financeira de campanha é muito mais articulada. Partidos conservadores tem muito mais "know-how" e recursos de como conquistar este eleitorado do que os partidos de esquerda.
3º.) Netinho é uma grande celebridade popular mas o seu discurso é frágil politicamente, por isto cresceu e manteve altos índices de preferência nas pesquisas até o momento que os adversários começaram a questioná-lo e explorar esta fraqueza. Optou em enfrentá-la com um discurso que apela para a emoção (gravando uma cena com Maria da Penha e mostrando-se arrependido) mas não foi para o embate político com os que criticavam. O senador Aloysio Nunes começou a explorar isto e seria interessante questionar qual foi o investimento que o governo tucano em São Paulo fez para a implantação de uma estrutura de apoio para as mulheres vítimas de violência doméstica, como a instalação de Delegacias de Defesa da Mulher e as casas de passagem.
Assim, é importante que os partidos progressistas discutam com mais profundidade a viabilidade de lançar candidaturas baseadas no sucesso lastreadas única e exclusivamente na sua condição de celebridades midiáticas. O povo não faz esta correspondência direta, como acreditam alguns, em gostar da pessoa na mídia e votar nela quando se candidata.
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