ESCRITO POR GUILHERME C. DELGADO
A Campanha da Fraternidade de 2010 das Igrejas Católica e Evangélicas filiadas ao Conselho das Igrejas Cristãs (CONIC) versa sobre o tema Economia e Vida Humana. Nesta, as Igrejas elaboraram algumas manifestações pontuais – cartilha, vídeos, músicas etc., -, para depois, muito rapidamente, silenciarem sobre o assunto, a ponto de a maioria das pessoas ignorar a Campanha.
Mas, à margem dessa Campanha, alguns poucos Bispos, Padres e Pastores resolveram, por conta própria, promover na internet e depois na própria campanha eleitoral um radical manifesto ‘em defesa da vida’ e contra o aborto, tema a partir do qual atacam violentamente a candidata Dilma e agora pretendem dirigir o povo cristão a votar no outro candidato – José Serra.
Até o momento em que esta campanha se situou no nível subterrâneo onde nasceu, mereceu pouca atenção do público e, a meu ver, também teve reduzida interferência nos resultados eleitorais do 1º turno. Mas, agora, a própria propaganda eleitoral do candidato supostamente beneficiário passou a exibir imagens e apelos publicitários subliminares de mulheres grávidas massageando suas barrigas e, de outro lado, ofensas abertas à candidata Dilma sobre o tema do aborto.
Neste ponto, cumpre esclarecer e tomar posição, trazendo algumas informações de alguém que pesquisa no campo da economia social e que tem clareza da missão do fiel leigo dentro da Igreja.
A CNBB já esclareceu sua posição sobre este assunto, distanciando-se completamente de alguns Bispos fundamentalistas da Regional Sul, que, usando indevidamente o nome da Entidade, promovem ilegítimo proselitismo eleitoral.
D. Demétrio Valentini, corajoso Bispo de Jales (SP), denunciou com todas as letras as iniciativas de manipulação de alguns dos seus pares. E assim sucederam-se muitas outras falas e manifestação – do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CNBB) e de alguns teólogos muito conhecidos – Leonardo Boff e José Conblain, dentre outros.
Vou me ater neste texto a apresentar alguns dados demográficos e epidemiológicos que de alguma maneira permitam dimensionar o fenômeno da natalidade efetiva e do aborto na população feminina em idade fértil. O propósito é de conhecer as dimensões proporcionais da situação ora em consideração.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio de 2008 (PNAD), dos 190,0 milhões de brasileiros estimados para este ano, cerca de 100,0 milhões são de pessoas entre 15 a 49 anos. Considerando metade dessa população como de mulheres, teríamos o contingente de mulheres potencialmente em idade fértil, segundo o IBGE, ao redor de 50,0 milhões de pessoas.
Desse contingente feminino, as estatísticas de natalidade indicam um provável nascimento com vida ao redor de 4,0 milhões de crianças (21 crianças por mil habitantes, segundo o IBGE), o que significaria que ao redor de 8% das mulheres em idade fértil realizam parto a cada ano. Mas há o outro lado, qual seja, o contingente das mulheres em idade fértil que sofrem espontaneamente ou provocam o aborto. Sobre este assunto, as estatísticas oficiais quase nada falam.
O único dado oficial que nos dá conta da ponta do ‘iceberg’ é a informação do sistema DATA-SUS para o procedimento médico-hospitalar - Curetagem Pós-Abortamento/Puerperal -, que atingiu em 2009 o número de 202.766 procedimentos. Mas esse número, segundo informações da área médica, seria apenas dos casos de gravidez em etapas avançadas e em geral de pacientes muito pobres que recorrem ao SUS em situações de risco iminente de aborto ou de seqüelas pós-aborto, externas ao Sistema.
Mas há toda uma população que não realizou essa curetagem no SUS e/ou praticou aborto nas clínicas clandestinas. O número de todos os casos anualmente ocorridos é oficialmente uma incógnita. Varia enormemente, segundo estimativas de diversas fontes - de 2,5 a 3,2 milhões de casos anuais (este último dado foi citado pela candidata Dilma Rousseff no debate com o presidenciável José Serra).
Esses dados são muito altos se considerarmos a estimativa dos nascidos com vida – ao redor de 4,0 milhões - e o tamanho da população feminina em idade fértil (50,0 milhões de mulheres), denotando que há aparentemente uma chance de apenas 57% de uma concepção gerar nascimento com vida no Brasil. Ademais, a condição humana das mulheres que passaram pelo aborto, mas não pelo cuidado e atenção da saúde e assistência pública, é preocupante.
Perante o fato identificado, com a dimensão presumível ora apresentada, há duas graves questões éticas subjacentes merecedoras de reparos. De um lado, há uma aparente "naturalização" do fenômeno abortivo, remetido à escolha da vida privada e à própria sorte daqueles(as) que o praticam. De outro lado, há uma reação farisaica de apelo à criminalização, à semelhança daqueles que trouxeram uma mulher flagrada em adultério à presença de Jesus, questionando-o para que aplicasse a Lei Judaica (apedrejamento até a morte).
Nem uma nem outra conduta é próxima à resposta de Jesus a essa situação. Mas sim a acolhida da mulher e a denúncia do farisaísmo na Parábola evangélica, sem naturalizar o adultério. Não invocou lei alguma, nem apelos à criminalização, tão ao gosto dos fariseus de ontem e de hoje. Mas a cura dos males envolvidos na situação, dentre os quais o maior deles estava nas mãos e na boca dos acusadores.
Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
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