A mídia evita tratar dos grandes temas para impor uma pauta carregada de ignorância, preconceitos e dogmas religiosos
06/10/2010
Altamiro Borges
Nas manchetes dos jornalões e nos monólogos da televisão, a direita tenta forçar a candidatura Dilma Rousseff a discutir unicamente o tema do aborto. A mídia evita tratar dos grandes temas nacionais, das diferenças abissais de projetos entre os dois concorrentes no segundo turno e se esforça para impor uma pauta carregada de ignorância, preconceitos e dogmas religiosos.
A armadilha é visível. Na campanha, Dilma tratou o tema como uma questão de saúde pública, evitando visões simplistas. Já o demotucano Serra até poderia ser mais facilmente prejudicado pelos preconceitos. Como ministro da Saúde de FHC, ele liberou o uso da “pílula do dia seguinte”. Em 1998, ele também foi demonizado pela cúpula da Igreja Católica por normatizar a realização do aborto nos casos previstos em lei. Agora, ele simplesmente foi poupado pela direita e sua mídia.
A demonização de Dilma
Entre as baixarias da campanha da direita, muitos avaliam que este tema foi um dos responsáveis pelas surpresas nos últimos dias do primeiro turno – queda de Dilma Rousseff, identificada com as lutas feministas, e crescimento de Marina Silva, evangélica e conservadora. Serra, blindado pela mídia, acabou se beneficiando da polêmica travada entre as duas candidatas mulheres.
O jogo sujo foi pesado. A Regional Sul da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que contempla São Paulo, divulgou documento nas missas em que “recomenda encarecidamente” que não se vote em Dilma por ser “contra a vida”. Pela internet, um culto da Igreja Batista de Curitiba, visto por quase 3 milhões de pessoas, mostra cenas fortes de fetos mortos e despedaçados, e o pastor pedindo que não se vote na petista, que “defende o aborto e o casamento gay”.
Campanha fascista de boataria
O impacto desta boataria foi corrosivo. Marcelo Déda, reeleito em Sergipe, garante que “a queda de Dilma e o crescimento de Marina no final se deveram ao recrudescimento do fundamentalismo religioso. É o efeito do púlpito nas igrejas”. No mesmo rumo, Eduardo Campos, reeleito em Pernambuco, afirma que “nos últimos quinze dias, especialmente, houve uma campanha fascista de boataria”. O senador Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, lembra que “o pastor pode ter dificuldade para conseguir votos dos fiéis. Para tirar voto, o efeito é inverso”.
Apesar de vários alertas – o blogueiro Rodrigo Vianna foi um dos primeiros a advertir sobre os estragos nas bases católicas e evangélicas –, o comando de campanha de Dilma, sempre muito hermético, não percebeu o efeito nefasto da onda de boatos. Agora, finalmente ela reconhece que subestimou o tema. “Foi uma campanha perversa, com inverdades sobre o que penso, o que digo. Vamos fazer um movimento no sentido de esclarecer com muita tranquilidade nossas posições... A gente percebeu tarde, mas percebeu”, explica a candidata.
Da cegueira ao exagero
O comando de campanha afirma, agora, que a reconquista destes votos passou a ser prioridade no segundo turno. Ou seja, de um extremo ao outro – da cegueira ao exagero. De fato, é necessário esclarecer a sociedade, principalmente os setores religiosos mais conservadores. Mas este não é o principal tema da campanha, nem sequer para os movimentos feministas mais lúcidos. Deve-se evitar a armadilha imposta pela direita. O que está em debate, na sucessão, é o futuro do Brasil.
Altamiro Borges é jornalista, blogueiro e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
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